Esta é simplesmente uma das bandas mais importantes da história do punk-rock. A principal banda a incorporar de verdade os ideais revolucionários do Punk! Não apenas pela atitude contestadora, muito menos pelo visual de camisetas rasgadas e jaquetas de couro com spikes, mas pela ousadia de colocar naqueles três acordes do punk alguns dos elementos do reggae, ska, funk, rap e até rockabilly, trazendo para a banda (e para o próprio estilo) uma identidade musical ainda mais ligada ao “do it yourself”, tão repetido pelos adeptos, mas às vezes pouco colocado em prática pelas bandas de então. Mas vamos tentar entender como eles chegaram nesse ponto.
Formada em 1976, o The Clash faz parte da primeira onda do punk-rock inglês, e lançou ao todo seis álbuns de estúdio, encerrando suas atividades em 1986. A banda tinha entre os seus principais integrantes o vocalista e letrista Joe Strummer, o guitarrista Mick Jones, o baixista Paul Simonon e Nicky “Topper” Headon na bateria e percussão, sendo que no primeiro álbum (The Clash, 1977) o baterista era Terry Chimes (creditado no LP como Tory Crimes).
Desde o lançamento do álbum homônimo percebemos as qualidades das letras e melodias criadas pela dupla Strummer-Jones, muito superiores aos dos seus contemporâneos. Fora que desde esse primeiro LP já era possível encontrar elementos de reggae nas músicas (bem como uma versão muito bacana do clássico do gênero “Police And Thieves”). Toda essa referência foi muito bem absorvida e incorporada naquele som intenso, cujas letras tinham um engajamento político e social muito claro, voltado aos ideais da anarquia, sendo eles solidários e apoiadores de diversos movimentos de liberação existentes naquela época. Esse posicionamento político da banda é facilmente perceptível em letras que falam sobre alienação no trabalho, defesa dos direitos dos negros por jovens brancos, da escassez de empregos para os jovens, etc. O Clash, diferente de outras bandas punk da época, rejeitava o niilismo (corrente da filosofia que, em sentido muito simplificado, entende e existência como algo sem sentido ou propósito) e acreditava firmemente que todos devem ter uma causa para apoiar, defender e lutar por ela.
Joe Strummer, o principal compositor da banda, nasceu em uma família rica, sendo filho de um diplomata indiano. No entanto, desde muito jovem ele se interessou em estudar o socialismo e todas as questões históricas ligada à política de esquerda. Já no Clash, ele era um militante comprometido, e junto com os outros integrantes da banda, muito coerente em seu discurso e suas atitudes.
O segundo álbum de estúdio (Give’em Enough Rope, 1978) foi o primeiro a ser lançado nos EUA e conta com Nicky “Topper” Headon como baterista definitivo. Foi com esse álbum que a banda fez sua primeira tour americana, mas fracassou na tentativa de colocar a banda nas paradas desse país. Na Inglaterra, contudo, Give’Em Enough Rope atingiu o segundo lugar. Os principais destaques desse álbum são – na minha singela opinião – as músicas English Civil War, Tommy Gun e All The Young Punks.
Em dezembro de 1979 foi lançado o terceiro álbum da banda. E não foi qualquer lançamento! London Calling é apenas um dos álbuns mais importantes, não apenas do punk rock, mas do rock n roll como um todo. Ele esteve presente nas principais paradas de sucesso na época, tanto na Inglaterra quanto nos EUA, Suécia e Noruega. O momento da banda era um pouco conturbado, eles estavam sem empresário e naquele momento os quatro rapazes cuidavam sozinhos da carreira da banda. Mesmo assim, as idéias fluíam e o material criativo se acumulou de tal maneira que eles decidiram fazer um álbum duplo. Devido aos princípios políticos dos integrantes e sua recusa em ceder ao capitalismo e a exploração das classes trabalhadoras, eles decidiram que a gravadora (CBS Records) deveria vender esse disco duplo ao preço de um disco simples. E assim foi. E esse é um álbum maravilhoso do começo ao fim porque consolida tudo aquilo que já estava presente nos dois álbuns anteriores: a mistura de ritmos como o funk, o reggae e o rockabilly, o enfático posicionamento político e uma visão clara do que acontecia no mundo naquele momento.
O Clash foi a banda que mais entendeu que o punk estava além dos três acordes distorcidos, das roupas puídas e das letras sobre farras e bebedeiras. Diferente de Ramones e Sex Pistols, eles optaram por estar ao lado do povo e por ser a voz do povo. London Calling não apenas teve excelentes vendas (e quase zero lucro para a banda) e uma ótima aceitação da crítica, como ainda hoje pode ser ouvido e entendido como um manifesto social das desigualdades que atingem as classes mais pobres, seja na Inglaterra ou no Brasil. Sim, é o meu álbum favorito em toda a discografia da banda e por isso mesmo não vou destacar as minhas músicas favoritas porque simplesmente TODAS as músicas são incríveis. Ah! Só para encerrar essa parte: a foto da capa (de autoria da fotógrafa Pennie Smith) foi escolhida em 2002 pela revista Q como a imagem mais importante do rock de todos os tempos.
Um ano se passou antes que a banda lançasse um novo álbum de estúdio e o resultado surpreendeu, chocou, assustou e até irritou (não necessariamente nessa ordem) público e crítica. Sandinista!, um vinil triplo (TRIPLO!) que tinha tudo: dub, reggae, rap, jazz, soul, naipe de metais, hip hop, menos punk. Ou não! Algo que precisa ficar bem claro a respeito do Sandinista! é que ele é muito punk sim, senhor! Porque ele manteve todas as características que sempre fizeram parte do cotidiano do Clash. Ele é contestador, politizado até a medula (o título se refere a um exército antiamericano que lutou pela independência da Nicarágua) e não se limita ao confortável gueto do punk rock de onde alguns dos seus contemporâneos mais conhecidos nunca quiseram sair. Se isso não é ser punk em sua essência mais crua, não sei o que mais pode ser! As resenhas da época se dividiram entre poucos elogios pela coragem e severas críticas pela pretensão de um lançamento desse porte. Aliás, a gravadora CBS foi obrigada a lançar esse trabalho como um álbum simples, o que causou mais uma série de longas brigas com a banda e pouco retorno financeiro para ambos os lados. Resumindo: entre trancos e barrancos, o resultado final é bastante satisfatório e entre as 36 músicas do álbum eu destaco a primeira The Magnificent Seven, a conhecida e dançante Police On My Back, Hitsville UK (cantada por Mick Jones e sua namorada Ellen Foley) e Charlie Don’t Surf (que faz referência a uma cena do filme Apocalypse Now).
O clima entre Joe Strummer e Mick Jones não estava nada bom desde bem antes do lançamento do Sandinista, e só piorava com o passar dos meses, mas não podemos ignorar que os dois eram muito bons compondo juntos. Tão bons que o álbum seguinte, Combat Rock (de 1982), foi um dos mais bem sucedidos comercialmente, além de trazer os maiores hits da banda: Rock The Casbah e Should I Stay Or Should I Go (presenças garantidas em qualquer pista que se preze). Além dessas, eu destaco a música Straight To Hell, uma das minhas favoritas da banda. Os planos iniciais incluíam lançar Combat Rock como um álbum duplo, o que depois foi – sabiamente – descartado. Eu acredito que os integrantes da banda não quiseram colocar mais essa briga no já pesado clima entre eles. Fizeram bem porque este álbum, com suas 12 músicas e enxutos 46 minutos funciona muito bem do jeitinho que é, simples, sem firulas, mas com a selo The Clash de qualidade do começo ao fim. Este álbum chegou ao quinto lugar da parada nos EUA, principal feito da história do Punk Rock, uma vez que as bandas punks dificilmente ultrapassavam o top 200.
Depois de Combat Rock, a relação entre os integrantes desandou de vez: Mick Jones saiu da banda alegando “incompatibilidade de idéias” com o líder Joe Strummer e o baterista Nicky Headon foi demitido por causa de seu vício em heroína. Strummer tentou seguir adiante com o trabalho do Clash e ainda lançou o álbum Cut The Crap em novembro de 1985. Este seria o último álbum de inéditas da banda, e enfaticamente renegado nas biografias, coletâneas e retrospectivas lançadas depois. A crítica é unânime em afirmar que o álbum é ruim desde o título até o último acorde da última música, e os fãs mais puritanos da banda sequer consideram esse álbum como um trabalho do The Clash, preferindo se referir a ele como um trabalho solo de Joe Strummer. O caso é que, sem Mick Jones, Strummer teve como parceiro de composição o empresário Bernard Rhodes, e juntos assumiram a autoria das 12 músicas do disco. Músicas que soam tão sem vida como se a revolução musical e cultural que o Clash provocou nunca tivesse passado de um delírio adolescente. Um delírio lindo, diga-se de passagem. Desse álbum, apenas “This Is England” foi lançada como single. Se você quiser ouvir o álbum na íntegra para tirar suas próprias conclusões já aviso que terá trabalho. Ele não consta na página da banda no Spotify e no YouTube as músicas aparecem soltas, em arquivos individuais. Procurei bastante e não encontrei nada onde pudesse ouvir o disco na íntegra, na ordem correta.
Logo após o lançamento de Cut The Crap, os músicos contratados por Joe Strummer para substituir Mick Jones e Nicky Headon pediram demissão, bem como Bernard Rhodes. E então, melancolicamente, o The Clash encerrou as atividades. Ao mesmo tempo, Mick Jones (junto com o cineasta Don Letts) lançava o projeto Big Audio Dynamite (ou apenas B.A.D.) que lançou ao todo sete álbuns de estúdio. Atualmente, Mick Jones e Paul Simonon fazem parte da banda virtual Gorillaz e, junto com Damon Albarn (também conhecido como o vocalista da banda Blur), tocam nos shows ao vivo. Nicky Headon, atualmente com 62 anos, vive com sua família em Londres, e não consta que ele tenha feito algum outro trabalho musical após o Clash. Joe Strummer gravou participações em diversos trabalhos de outros artistas ao longo dos anos e nunca deixou de manifestar sua posição política em nenhum momento. No final da década de 1990 ele fundou uma banda chamada Mescaleros, cujo som pode ser entendido como um amadurecimento do Clash. Vale a pena conhecer e ouvir os três álbuns gravados por ele. Em dezembro de 2002 um enfarto fulminante tirou a vida do nosso guerrilheiro do punk. Ele tinha apenas 50 anos e morreu em casa. Seus amigos e familiares criaram a Joe Strummer Foundation, um belo trabalho social destinado a empoderar jovens de todas as partes do mundo através da música. Em 2003 a banda The Clash entrou para o Rock n Roll Hall of Fame. Podemos dizer que, para uma banda que nunca fez questão de ser aceita por nenhuma corporação, eles foram muito longe. E o legado deles está por aí, para ser lido, ouvido, estudado, copiado, multiplicado... aproveitem!
Ana Paula Santos
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